Em 38 anos de Moçambique independente, o País viveu 36 (1975-2010) sem que tivesse uma Política ou Estratégia Nacional de Habitação - sobrevivendo de iniciativas ad-hoc. O Estado operou todo este período como bombeiro, simplesmente apagando fogos.
Primeiro, em 1976, com a Nacionalização e distribuição "ao vento" dos imóveis em território Nacional, então geridos pela Administração do Parque Imobiliário do Estado (APIE). Este património distribuído assim, a custo quase zero, como doce a criança em festa de aniversário, (claro!) não se conseguiu manter e a ele nada foi acrescido. A demanda por habitação, essa crescia a olhos vistos.
E mais tarde, ciente da incapacidade em manter e gerir o património imobiliário, o Estado se desfaz deste com a alienação de imóveis da década 90 (Lei 6/91 de 6 de Setembro) e cria quatro anos mais tarde (em 1995) o Fundo para o Fomento da Habitação - que pretende ser o fulano com a enxada; a antítese do chefe atrás da secretária que era o APIE.
O FFH é o primeiro ensaio consciente do Governo de resolver a problemática da habitação em Moçambique, depois de ter formalmente assumido esta responsabilidade ao incluir na revisão da Constituição em 1990 o Artigo 91 (direito à habitação condigna). Mas, infelizmente, em 15 anos de lavrar a terra a Instituição conseguiu fazer germinar muito pouco: durante os primeiros 4 Contractos Programa assinados com o Governo o FFH realizou apenas cerca de 1200 casas novas, 1100 reabilitações de casas existentes e 12000 talhões, um óbvio sinal de que o País continuava sem rumo no que concerne à habitação.
Mas como não há bela sem senão, o Governo voltou a pisar no seu próprio calo ao decidir compensar 36 anos de apatia com 4 anos de milagre: construir 100 mil novas casas antes de 2015 (em sintonia com a Agenda 2025 e o Plano Quinquenal do Governo 2010-2014)... tudo isto sem dinheiro!
Porquê 100 mil? Não se sabe. Como atingir os 100 mil? Não se sabe. Mas 100 mil são!
E mais interessante é quando se põe o tal 100 mil em confronto com os 2.5 milhões de famílias no País vivendo em condições precárias, número avançado pelo PCA do FFH a princípios de 2011. São 25 módulos de 100 mil casas em faixas de 4 anos. Um século de trabalho, mais ou menos.
Talvez haja mérito em tal método de planificação, já que se diz por aí que “ideais são como estrelas: nunca conseguiremos tocá-los com as mãos, mas a segui-los como os marinheiros no oceano, chegaremos ao nosso destino.” Falta é saber qual é o “destino” neste caso. E, na verdade, os números já o sugerem, mas deixemos isso para uns parágrafos mais adiante que nos falta ainda uma peça chave para este milagre planeado: o messias, que não há milagre sem divindade.
Se o FFH foi o milagreiro para o APIE, agora precisava-se de um salvador para o próprio FFH.
A solução foi, através do Decreto 65/2010 de 31 Dezembro, dividir o FFH em dois: onde o novo FFH (a par do anunciado em Junho de 2009 pelo seu anterior PCA) passa a ser um órgão financiador e promotor da habitação no País - como há muito pedia a massa intelectual nacional - e se cria um segundo braço independente responsável pela implementação dos programas habitacionais do Governo. É como dizer, cria-se o FFH “A” e o FFH “B”. Interessante, não?! E dá para imaginar a confusão que isto irá dar, já que o FFH “A” (o financiador) tem a função de acompanhar, monitorar e avaliar a execução dos projectos. E mais interessante ainda, é que enquanto não exista o FFH “B”, o FFH “A” faz o papel dos dois, i.e., implementa e se auto-avalia...… como sempre fez.
Quando o próprio Governo, através do FFH, afirma que Moçambique “é o País com o mais elevado custo de habitação a nível da região da África Austral, facto que resulta da carestia dos materiais de construção, na sua maioria importados dos mercados regionais”, é difícil perceber a lógica subsequente que justifica a criação de um órgão independente responsável pela implementação dos programas habitacionais do Governo e da assinatura de um contrato-programa Governo/FFH visando a edificação de 100 mil casas em todo o país como factor de redução do défice habitacional.
100 mil casas em 4 anos não irão resolver o problema dos 2.5 milhões de famílias e, certamente, não irão reduzir o custo dos materiais de construção. Conceder subsídios e pagar bonificações de juros para que se possa aceder a créditos que permitam comprar casas construídas e/ou financiadas pelo Estado também não irá. São tudo coisas que o FFH tentou fazer durante 15 anos e não resultou. E a tabela abaixo demonstra isso: 100 mil casas não vão acontecer antes de 2015; e das já confirmadas, menos de metade estará concluída em 2014.